‘Adeus, Garoto’: o drama italiano que transforma dor em poesia urbana

Logo nos primeiros minutos de Adeus, Garoto (Ciao Bambino), a estética em preto e branco chama atenção e, com ela, um certo receio. Talvez seja o reflexo do estigma de que filmes assim, premiados em festivais e com fotografia monocromática, não foram feitos para o público comum, mas sim para os próprios diretores e críticos. Essa sensação se intensifica quando lembramos da fala do ator Sérgio Marone durante o Cine Naguá, festival de cinema em Paranaguá, onde ele comentou: “Muitos diretores produzem filmes para si ou para outros diretores, não para o público.” E, de fato, esse é um pensamento comum quando nos deparamos com obras que priorizam a forma à compreensão.

Adeus, Garoto Foto: Divulgação
Adeus, Garoto Foto: Divulgação

Mas essa ideia vai se desfazendo aos poucos. Adeus, Garoto é denso, sim. É visualmente artístico e narrativamente provocador, mas também é uma obra profundamente humana, acessível a quem estiver disposto a enxergar a vida a partir de uma lente mais crua.

O filme acompanha Attilio (vivido por Marco Adamo), um jovem de 19 anos que vive em Rione Traiano, periferia operária de Nápoles, mesmo bairro onde nasceu o diretor Edgardo Pistone. A trama se desenrola durante o fim de verão e apresenta um grupo de amigos adolescentes lidando com as tensões típicas da puberdade: afirmações de masculinidade, piadas entre si e relações desequilibradas. Attilio, no entanto, carrega uma dor que o diferencia. Ele vive com um pai viciado em drogas e jogos, que está em constante dívida com agiotas, e uma mãe consumida pela angústia. Nesse cenário, o garoto se vê forçado a amadurecer cedo demais.

Attilio aceita um “trabalho” como protetor de uma jovem prostituta do Leste Europeu, Anastasia (interpretada por Anastasia Kaletchuk). Ela sonha em mudar de vida, mas vive sob o controle de um cafetão que retém seus documentos e lucros. Mesmo sem poder admitir, Attilio se apaixona por ela. A relação entre os dois é marcada por afeto contido, medo e esperança, um contraste brutal diante do mundo em que vivem.

A proposta do cafetão é cruel: se Attilio quiser passar mais tempo com Anastasia, ele deve pagar como qualquer cliente. Isso cria uma tensão emocional crescente. O garoto começa a se incomodar com os encontros da moça com outros homens e se vê dividido entre desejo, ciúmes e impotência.

Quando seu pai volta da prisão e é cobrado por uma dívida antiga, o peso da herança se impõe — não apenas no sentido financeiro. Um amigo do pai, agiota, lança uma frase marcante: “Na vida, uns herdam propriedades, outros herdam dívidas.” É a partir disso que o filme se estrutura: heranças materiais, afetivas, culturais e sociais, que moldam destinos sem pedir permissão.

Attilio arma um plano para fugir com Anastasia. Mas ela recusa: “A vida é aqui.” Ainda assim, ele sente que algo está errado. Desconfiado, acaba roubando os passaportes e dinheiro do cafetão e foge com ela para a casa de uma tia. A narrativa caminha para um desfecho intenso: Attilio retorna para pagar a dívida do pai, e aqui paro de escrever para não ser o “moço do SPOILER”, mas o final, para mim foi surpreendente.

Adeus, Garoto se destaca pela direção madura de Edgardo Pistone, que opta por longos planos-sequência, ausência de cortes rápidos e uma estética minimalista. Ele não entrega respostas prontas. A ausência de trilha sonora em momentos-chave e os silêncios prolongados funcionam como amplificadores da dor e da urgência dos personagens.

Segundo o próprio diretor, “O cinema, como forma, impõe uma regra: transformar tragédias em cópias polidas. Usar mentiras — não no conteúdo, mas na forma.” E continua: “Não importa o propósito, a herança é sempre um obstáculo — mesmo quando se apaixona.”

Confira o trailer:

Data de estreia: 08 de maio de 2025
País: Itália
Direção: Edgardo Pistone
Gênero: Drama
Elenco: Marco Adamo, Anastasia Kaletchuk, Luciano Pistone, Pasquale Esposito, Salvatore Pelliccia, Sergio Minucci, Luciano Gigante, Attilio Peluso, Antonio Cirillo e Rosalia Zinno.
Duração: 95 minutos

Roteiro: Ivan Ferone e Edgardo Pistone

Trilha sonora: Antonio Caspariello
Design de Produção: Marcella Mosca

Edição: Giogiò Franchini

Direção de som: K-Conjog

Produção: Bronx Film, Anemone Film, Mosaicon Film e Minerva Pictures Group

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