Ritas: Rita Lee como você nunca viu, nem ela mesma

Em Ritas, não se vê apenas a rainha do rock nacional. Vê-se uma mulher inteira, cheia de contradições, delicadezas, força e humor. O documentário, que estreia nos cinemas brasileiros no dia 22 de maio, não poderia chegar em data mais simbólica: Dia de Santa Rita de Cássia, padroeira das causas impossíveis, aquela que Rita Lee escolheu para ser sua nova data de aniversário, mesmo sendo uma capricorniana legítima.

Ritas Foto: divulgação/ Primeiro Plano
Ritas Foto: divulgação/ Primeiro Plano

É esse tipo de irreverência poética que conduz todo o longa. Narrado por ela mesma, com trechos de entrevistas raras e depoimentos íntimos, Ritas não tenta explicar Rita Lee. Porque, convenhamos, seria impossível. O filme apenas deixa que ela seja, com todos os seus fragmentos.

A narrativa é construída com leveza, mas não foge da intensidade. Rita fala da prisão em tempos de repressão, do machismo na indústria fonográfica e das vezes em que disseram que ela “não faria sucesso”. E fez. Muito. Com sua voz rouca, letras libertárias e um estilo que ninguém nunca ousou copiar por completo, Rita Lee se fez eterna sendo única.

Entre lembranças da infância nos piqueniques no Ibirapuera e momentos de provocação, como o altar com Jesus Cristo, Hebe Camargo, David Bowie, Darth Vader e ela mesma lado a lado, o documentário faz o que poucas obras conseguem: captura o espírito de alguém que sempre escapou das definições.

Ritas é sobre transformação. A Rita de cabelo loiro dizia que se sentia brisa. A ruiva, fogo. E a grisalha, agora com a “lua na cabeça”, abraça a serenidade da maturidade com o mesmo charme com que já incendiou os palcos.

E por falar em fases, o filme percorre a metamorfose da artista: dos Mutantes à prisão pelo DOPS, da crítica que recebeu por “não saber cantar” até a liberdade criativa concedida pela Som Livre. De musa psicodélica a avó que pede para a neta colocar “funk pesadão” no celular escondido dos pais. Uma mulher múltipla. Que teve três filhos com Roberto de Carvalho, parceiro de palco e vida por mais de quatro décadas. Que viveu paixões e rebeldias com a mesma intensidade com que viveu os silêncios.

Ela fala de um disco inteiro perdido em viagens lisérgicas que, segundo ela, “ainda bem que não foi lançado pois era muito ruim”, e de músicas que marcaram época, como Mamãe Natureza, fala do nome do álbum Fruto Proíbido, fruto esse que ela dizia ser o próprio rock brasileiro, algo ainda visto como tabu.

Ela fala sobre Elis Regina, sobre Caetano, sobre Gil, sobre João Gilberto dizendo que ela era “roqueira com voz de bossa nova”. Ela fala do disco rasurado (giletado, como ela mesma diz), com letras que escancaravam a política em plena ditadura. E relembra momentos íntimos com Rob, os dois tocando Boogie Woogie a quatro mãos num piano.

Nada disso foi exagero. Foi Rita sendo Rita: livre, excêntrica, transgressora e, acima de tudo, humana.

Sem cair no sentimentalismo fácil, Ritas toca com delicadeza na dor, no luto, na solidão e também no riso, na rebeldia, no amor. O amor pelos filhos, pelos netos e pelos bichos de estimação.

“Ritas” não é um filme sobre carreira, é um filme sobre essência. Sobre uma artista que mudou de pele sem perder o brilho. Que nunca quis ser exemplo, mas sempre foi referência. Que sabia rir de si mesma, das regras, dos rótulos, sempre com uma frase pronta pra desmontar qualquer lógica: “Eu escancaro o tabu, mas não revelo os mistérios.”

Mais do que contar a trajetória de uma artista, Ritas é uma carta aberta à liberdade. Ao direito de ser muitas em uma só. Ao direito de mudar, de errar, de amar e de cantar sobre tudo isso.

E quando a última frase do filme ecoa na tela — “Minha vida foi o máximo” — o público não duvida. Rita Lee viveu como queria, intensamente. E Ritas é o retrato mais honesto e bonito que ela poderia deixar.

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